Poesia não mata a fome. Poesia não mata a fome que não seja de poesia.
Se a fome desumaniza, a comida sozinha não pode ser a resposta.
Se a fome é uma escolha política, a comida sozinha não pode ser a resposta.
Se a fome é a experiência do que há de mais cruel, comida sozinha não pode ser a resposta.
Comida sim.
Comida antes, comida enquanto, comida durante, comida sempre. Comida. Comida a quem precisa. Sempre.
Fome é urgência e emergência!
Mas para nós – Isabel e eu – algo nesse caminho sempre inquietou.
Somos artistas. Como podemos atuar além de ajudar a fazer a comida chegar onde precisa? Qual a nossa contribuição como artistas?
Hoje a campanha Comida & Arte do Instituto Caleidos atingiu a marca de 250 cestas-básicas para serem entregues a uma comunidade da zona Leste de São Paulo. É um número significativo e pelo qual devemos agradecer aos incontáveis apoios, às centenas de compartilhamentos nas redes e aos generosos doadores! Registro aqui minha gratidão.
Colocar meu trabalho com poesia a serviço de uma campanha como esta permite uma sensação muito especial. Desde sempre acreditamos que a arte pode também atuar nas fronteiras da educação e da política. Uma educação que politiza, uma arte que educa, uma política que cria. Acreditamos nisso. Acreditamos que nosso papel também é falar dos mundos possíveis, enquanto tornamos esse, suportável. Sensação de pisar no caminho certo.
Ao iniciar a campanha, não sabíamos qual aceitação nos esperava. Não era apenas uma cesta-básica. Junto a cada uma delas chegarão à casa das pessoas cartões de arte: de um lado imagens de Hannaa Lucatelli do outro poemas meus tematizando a Violência Doméstica contra mulheres.
As imagens das “deusas” criadas pela Hannaa são belíssimas, um empoderamento pelo belo que ela espalha por muros de todo o mundo e cativam à primeira vista. A mim, o outro lado. O tema difícil e necessário; e com algumas metas muito definidas: falar do assunto de forma direta, tentar falar com as mulheres, tentar falar com a vítima e com as mulheres do entorno, incorporar nos poemas os saberes e consensos estabelecidos pelos diversos estudos sobre o tema.
Esse foi o desafio de criação dos poemas. Penso que eles podem provocar alguma reflexão a respeito da Violência Doméstica em quem os receber; se provocarem, cumpriram sua função. Para nós, se há uma comunidade precisando que se leve comida para ela, é porque precisamos que a cidadania e a política cheguem ali também. Empoderar e fortalecer mulheres diz respeito a isso.
Acreditamos que quem vai manipular os pertences das cestas-básicas dentro da casa seja uma mulher. O desafio foi tentar dialogar com ela sobre uma questão que de alguma forma passa por ela. A violência doméstica alastrou-se junto ao Covid 19; a quarentena, para muitas mulheres foi ficar constantemente a mercê.
A Violência Doméstica não tem recorte de classe – está presente em todas – mas a informação a respeito dessa questão e o modo de reagir a ela, seja por parte da vítima ou por parte do entorno, tem recorte de classe. Sistemas de informação, de acolhimento, de proteção chegam com mais dificuldade às mulheres de camadas menos favorecidas.
Nosso caminho começava a se desenhar. Mulheres. Fortalecer mulheres e dialogar sobre Violência Doméstica. Enviar algo para ela. Um presente para ela. Algo além da comida. Poesia e imagens de mulheres que dialoguem com as mulheres.
Foi assim que chegamos à campanha Comida & Arte. Porque comida e arte são indispensáveis. Comida e arte. Onde faltar comida, que se leve arte também.
para saber sobre a campanha acesse: www.institutocaleidos.com