Ponto de Partilha - Fábio Brazil

Fábio Brazil
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QUEBRA CABEÇA

Fábio Brazil
Publicado por em recentes · 31 Outubro 2019
A ILHA NO LAGO
 
Oh Deus, Oh Vênus, Oh Mercúrio, patrono dos malandros
deem-me no tempo propício, eu imploro, uma pequena tabacaria
com caixinhas brilhantes
                        caprichosamente empilhadas sobre as prateleiras
e a suave fragrância de tabaco fino
     e fumo de rolo
o brilhante Virgínia
     brilhando suave sob um balcão de vidro,
e um par de balanças limpas,
e prostitutas entrando e saindo para uns dedos de prosa,
prosa fiada, ou para ajeitar o cabelo.
Oh Deus, Oh Vênus, Oh Mercúrio, patrono dos malandros
emprestem-me uma pequena tabacaria
                         ou deem-me outra profissão
que não esta maldita profissão de escrever
                     na qual se quebra a cabeça o tempo todo.     
 
 
Fiz esta versão do poema “The Lake Isle” de Ezra Pound há muitos anos.

Na época, além do prazer de descobrir e traduzir essa joia, pensava em juntar este e sua tabacaria com à outra tabacaria, a do Fernando Pessoa, e fazer uma leitura propondo um diálogo entre os poemas; isso aconteceria num evento chamado VERSO E VINHO – que consiste em reunir pessoas, garrafas, boa prosa e poemas. O evento não aconteceu e o poema ficou comigo. Perambulou por alguns Aparelhos e foi empoeirar-se de pixels num arquivo chamado “traduções”.

De uns tempos para cá o poema voltou em mim. Viver de arte em tempos de Golpe, de Temer e de bozonarismo explícito é um exercício e tanto, faz a gente sonhar com uma pequena tabacaria como se fosse a solução de todos os problemas. “Oh Mercúrio, patrono dos malandros”.

Como a maioria dos amigos sabe: ainda não abri uma tabacaria. Continuamos a manter as esperanças no Caleidos e lentamente vamos aprendendo a driblar o desastre coletivo em que nos metemos. Com a ajuda de “Deus, de Vênus” e dos amigos. Até eventos como o VERSO E VINHO estamos retomando e entendendo que precisamos cada vez mais reunir pessoas, garrafas, boa prosa e poemas.

Esta semana o poema voltou com mais força. Não pela tabacaria e as suas promessas de vida simples, segura e regular, mas pelo “quebrar a cabeça o tempo todo”.

Faz três dias que o livro de poemas PONTO DE PARTILHA voltou da revisão da editora. Pouquíssimas correções em relação ao uso da língua (ufa!). Mas olhei para cada um dos poemas e pensei: “amigo, essa será a sua forma final”. E claro, alguns deles me fizeram voltar a quebrar a cabeça.

Alguns poemas voltaram a me paralisar, ficar pensando sobre qual a melhor escolha entre duas ou três palavras, ou se devia privilegiar o ritmo com um verso mais longo ou o entendimento isolando uma palavra... deve ser mais fácil tocar uma tabacaria, administrar a prosa com as prostitutas e manter um par de balanças limpas, deve ser mais fácil.

Consegui terminar hoje a última revisão e devolvi o arquivo para a Editora Patuá. Na verdade, é a penúltima, ele ainda volta diagramado em forma de livro e posso mudar uma ou outra coisinha... “deem-me outra profissão”.

O lançamento já está marcado! Dia 08 de novembro no Caleidos. Uma noite cheia de atrações e delícias. Poemas misturados com dança, poemas misturados com canções, poemas misturados pela leitura dos amigos, poemas misturados com as pessoas, como devem ser! Diversão garantida! - o único risco é, com o livro na mão, lendo um poema em Aparelho, perceber que de outra forma ele seria melhor, com outra escolha ele seria mais claro, com outra palavra mais contundente... “maldita profissão de escrever”. Bem vindos.



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